
Sobre Áries, vamos tentar ser diretos: é quando aquilo que desconhecemos se inicia. O signo está relacionado a partos e nascimentos, e é em seu arquétipo que se dá à luz o novo e o inesperado. No entanto, Marte, o regente de Áries, é também regente de incisões e rupturas, então o que acontece nesse ponto não é exatamente uma gênese a partir do nada. Algo acontece que nos leva de um estado protegido e restritivo para uma realidade externa que atrai e propõe desafios; se formos buscar uma referência bíblica, podemos dizer que é aí que somos expulsos do paraíso.
Áries sucede Peixes na roda zodiacal, e ambos representam impulsos antagônicos. No âmbito pisciano buscamos um retorno à matriz, a imersão no cosmos, o reencontro com Deus – chame como quiser – mesmo que às custas de nosso ego e individualidade. Ou seja, queremos voltar para o paraíso, após um longo processo que atravessa as doze casas do zodíaco. Em Áries, por outro lado, a individualidade e a vontade são afirmadas, ou reafirmadas, a despeito das circunstâncias, da família, do Estado, e inclusive de um Deus que limita e constrange. Em Áries está o impulso de separação, que é também um impulso para a liberdade.
O processo então é cíclico, e o gesto ariano precisa ser periodicamente reencenado. Isso porque aquilo que chamamos de paraíso é nesse mundo muitas vezes uma prisão. Aliás, a palavra “paraíso” tem uma origem persa que se refere a um “lugar murado”, “para-daeza”, entre paredes. E a dissolução pisciana do ego de fato nos leva eventualmente a lugares enclausurados, onde nossa vontade individual é submetida a autoridades maiores (penitenciárias, sanatórios, mosteiros).
Mas, às vezes, a busca de reconstruir o paraíso na terra leva a formas mais sutis ou insuspeitas de restringir nossa liberdade ou constranger nossos movimentos. É sobretudo aí que o arquétipo ariano precisa agir, reencenando nosso nascimento como uma forma de libertação. Pois toda busca por estarmos plácida e confortavelmente instalados entre paredes é frustrada ou resulta em distorções; somente as paredes uterinas um dia serviram para este fim. Por isso, a cada vez que a liberdade do indivíduo é sacrificada em nome de um sonho de absoluta segurança, precisamos da bravura de Áries para derrubar aquilo que o medo construiu tentando se proteger [edit: estou revisando esse texto durante a quarentena do Coronavírus e preciso acrescentar: agora não, Áries, agora não precisamos de bravura não; comporte-se aí por enquanto, e, a não ser que você não tenha alternativa, ou possa ajudar de outra maneira, mantenha-se seguro entre quatro paredes].
Enfim, o éden de Áries não é um lugar; é um gesto, um momento de independência e libertação. Mesmo que nos leve ao desconhecido, mesmo que cause incerteza, será preferido a qualquer sensação de segurança que exista às custas da verdadeira vida. Em uma época em que condomínios fechados são vendidos como lugares paradisíacos, por mais infernal que possa ser a existência em seu interior (e no interior dos espaços mentais que ajudam a restringir), espero que chegue a hora de provarmos a árvore do conhecimento mais uma vez. Fica então o pedido: arianos do mundo, não desanimem [não desanimem]. Em algum momento vamos ter que nascer de novo. Precisaremos de vocês.
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